O artigo “Jacarezinho reforça necessidade de autonomia da Polícia Científica” publicado no jornal O Globo e assinado pelo perito criminal do Paraná e presidente da ABC – Associação Brasileira de Criminalística, Leandro Lima, aborda a necessidade de termos uma perícia independente para auxiliar a investigação dos mais diversos crimes. O caso citado no texto de opinião é de Jacarezinho, na zona norte da capital do Rio de Janeiro, onde uma ação policial resultou na morte de 28 pessoas.
O Ministério Público do RJ solicitou apoio da Polícia Técnico-Científica de São Paulo. Mas por que? A resposta está na publicação. Confira abaixo, a íntegra:
A função constitucional do Ministério Público no processo penal é ser o órgão acusador, zelar pelo interesse social de punição dos culpados. Enquanto órgão acusador, seus assistentes técnicos “peritos” são, na verdade, assistentes técnicos de acusação. Ou seja, o trabalho dos seus assistentes visa a apoiar a acusação, assim como os assistentes técnicos da defesa buscam corroborar a linha de atuação da defesa. Imparcial é o juiz, como também imparciais são os peritos oficiais de natureza criminal, servidores públicos concursados justamente para trazer luz às questões técnicas que fogem ao conhecimento jurídico do magistrado.
Quando atua no controle externo da atividade policial, investigando possíveis crimes, o Ministério Público está fazendo as vezes de polícia judiciária e não pode usar servidores próprios (assistentes técnicos) ou contratar serviços de terceiros para realizar a atividade pericial. Essa é uma atribuição exclusiva da perícia oficial de natureza criminal, salvo em locais onde não existam peritos oficiais disponíveis.
Passando ao caso concreto, a decisão do Ministério Público do Rio de Janeiro de solicitar o apoio da Superintendência da Polícia Técnico-Científica (SPTC) do Estado de São Paulo, órgão autônomo e independente, para realização de exames periciais relacionados ao caso das mortes no Jacarezinho mostra a importância de o Brasil avançar na autonomia da Polícia Científica. Como informou o Ministério Público do Rio de Janeiro, o objetivo é a garantia de ter uma prova técnica autônoma e independente para auxiliar na investigação das 28 mortes ocorridas no Jacarezinho, Zona Norte da capital, em maio deste ano. Isso não seria necessário se a Polícia Científica já fosse independente da Polícia Civil no Rio de Janeiro.
Efetivamente, só se pode conceber uma perícia independente e, consequentemente, imparcial, quando não está subordinada à mesma autoridade que está sendo investigada, seja da Polícia Civil, Militar ou do próprio Ministério Público. Hoje, além do Rio, somente em outras sete unidades da Federação o trabalho dos peritos oficiais ainda está subordinado à Polícia Civil: Acre, Distrito Federal, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraíba, Piauí e Roraima.
A eventual desconfiança com relação ao trabalho pericial só deixará de existir quando a Polícia Científica for autônoma em todos os estados e puder prestar, com a devida isenção, seus serviços para os mais diversos órgãos que o solicitem, como a Polícia Civil, o Ministério Público,
a Polícia Militar e o próprio Poder Judiciário.
Para que isso aconteça de maneira inequívoca e isenta de contestações, é necessária a imediata aprovação da PEC 76/2019, que inclui a Polícia Científica no rol dos órgãos responsáveis pela segurança pública no Brasil. A PEC 76 também garante que a Polícia Científica terá exclusividade na realização das perícias oficiais de natureza criminal, pois uma perícia independente com autonomia para exercer sua função não é apenas lógico, mas crucial para que a Justiça seja, de fato, cega.
Leandro Lima
presidente da ABC – Associação Brasileira de Criminalística