Artigo assinado pelo presidente da Associação Brasileira de Criminalística (ABC) e perito criminal do Paraná, Leandro Cerqueira, foi publicado no site JOTA, especializado na cobertura das ações das instituições públicas brasileiras, trata da contribuição da Polícia Científica para a redução da criminalidade e da impunidade. Na análise, o presidente da entidade defende a independência dos órgãos periciais públicos para garantir que a perícia oficial possa gerenciar seus recursos humanos e financeiros.
O texto foi publicado na seção Coberturas Especiais do portal, na editoria Inova&Ação, que reúne artigos e reportagens sobre práticas de incovação no setor público brasileiro. E como esse assunto está diretamente relacionado ao dia a dia de filiados e filiadas ao Sindicato dos Peritos Oficiais e Auxiliares do Paraná (Sinpoapar), não poderíamos deixar de recomendar a leitura do artigo.
Confira abaixo a íntegra:
A importância da Polícia Científica na redução da criminalidade e da impunidade
Com nomenclaturas das mais variadas, indo de Instituto Geral de Perícias e Centro de Perícias Científicas até Superintendência de Polícia Técnico-Científica ou simplesmente Polícia Científica, os órgãos estaduais responsáveis pela perícia oficial de natureza criminal já são desvinculados das polícias civis em 19 Estados, sendo que a desvinculação mais antiga data de 1974, em Pernambuco, e a mais recente de 2019, no Maranhão.
O motivo mais conhecido pelo qual os órgãos periciais se desvincularam das polícias civis é o de evitar interferência no trabalho pericial, de forma a garantir que o perito tenha “autonomia” para realizar o seu trabalho, independente do resultado corroborar com a linha adotada pela investigação. Esta desvinculação é recomendada por organismos nacionais e internacionais, como a Anistia Internacional, as Comissões de Direitos Humanos do Congresso Nacional e de diversas Assembleias Legislativas Estaduais, a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos e várias Organizações não Governamentais que possuem o mesmo viés.
Pouco se fala das demais vantagens de existir uma Polícia Científica independente na estrutura estatal e uma delas, talvez a principal, é garantir que a própria perícia seja a responsável por gerir os seus recursos humanos e financeiros. São muito comuns os relatos de alterações no uso de recursos que deveriam ser aplicados para a perícia e acabam destinados para outras finalidades dentro da Polícia Civil, como a compra de armas e viaturas, deixando os órgãos periciais à míngua, tanto pela falta de recursos quanto pela falta de pessoal.
Permitindo que a perícia seja “dona do próprio nariz” para poder definir como aplicará a “fatia do bolo” a que tem direito dentro do orçamento do Poder Executivo, é garantida a aplicação dos recursos onde os próprios peritos acham necessário, seja para a compra de equipamentos e insumos, seja para a realização de capacitação técnica ou contratação de peritos desta ou daquela área. A aplicação adequada dos recursos humanos e materiais impacta diretamente na prestação de serviço à população, que sofre com a falta ou precarização da perícia tanto como vítima quanto como acusado da prática de um ilícito penal.
Quando a Polícia Científica é desvinculada da Polícia Civil, seus gestores “brigam” ombreados por recursos, e, às vezes, conseguem ter prioridade, como foi o caso do Paraná, onde a Polícia Científica e o Instituto Médico Legal têm um prédio novo (finalizado em 2018 com investimento de mais de R$ 35 milhões do governo do Estado), enquanto a sede da Direção-Geral da Polícia Civil funciona em um prédio alugado. Será que isso ocorreria se a perícia ainda fosse subordinada à Polícia Civil?
Outro ponto que deve ser levado em conta é o de que os órgãos periciais prestam serviços a diversos outros órgãos além da Polícia Civil, como para a Polícia Militar, o Ministério Público, o Poder Judiciário e até para o próprio Poder Executivo. Portanto, não faz sentido que toda requisição de perícia deva passar pelo crivo do Delegado Geral da Polícia Civil.
Tentando resolver esse problema, o Senador Antônio Anastasia (PSD-MG) apresentou a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) nº 76/2019, que inclui a Polícia Científica na Constituição Federal como força de segurança pública (artigo 144) sem, no entanto, obrigar que ela se desvincule nos oito Estados onde ainda pertencem às Polícias Civis, respeitando, assim, o pacto federativo. Outro ponto igualmente importante é que a PEC não altera a estrutura da Polícia Federal por entender que essa alteração traria custos ao erário e alteraria a Estrutura de um Órgão Federal e, por isso, deve partir do Poder Executivo Federal.
A PEC apresentada segue o modelo adotado pelos Corpos de Bombeiros Militares na redação originária do artigo 144 da Constituição Federal de 1988 (onde constam no inciso 5º as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares). Na justificativa da proposta, Anastasia explica que a aprovação da emenda à Constituição não terá custo para os cofres públicos, deixando para cada Estado decidir “como”, “quando” e “se” realizará a criação da Polícia Científica.
Como exemplo do ocorrido com os Corpos de Bombeiros, em 1988, somente dois eram desvinculados das Polícias Militares (RJ e DF), já em 2020 somente dois continuam subordinados às Polícias Militares (PR e SP), demonstrando que cada Estado definiu o que era melhor para si e para a sua população com o passar dos anos. No caso dos órgãos periciais, o processo de desvinculação da Polícia Civil vem ocorrendo mesmo sem que haja uma previsão na Constituição. Em 1988 eram dois subordinados diretamente aos secretários de segurança (PE e RN). Hoje somente oito continuam subordinados: AC, DF, ES, MG, PB, PI, RJ e RR.
Embora não exista um modelo internacional que possa ser adaptado integralmente à realidade brasileira, temos bons exemplos no mundo nos quais esse tipo de desvinculação contribuiu para aperfeiçoar a perícia oficial, e, por consequência, a persecução penal. Na Espanha, na França e em Portugal a perícia criminal e a medicina legal são desvinculadas das polícias judiciárias e atuam de maneira eficaz e autônoma. Mais próximo do Brasil, o Chile é outro país em que não existe subordinação entre a perícia e a polícia judiciária.
Para finalizar, vale lembrar que a Organização das Nações Unidas (ONU) recomenda a não-vinculação dos Institutos de Criminalísticas e de Medicina Legal às Polícias Civis como uma maneira de aumentar a confiabilidade aos exames e aos laudos feitos pelos peritos oficiais. Uma perícia criminal moderna e bem estruturada é um poderoso instrumento de redução da criminalidade e da impunidade.
Leandro Cerqueira, perito criminal e presidente da ABC
Assessoria de Comunicação
Sinpoapar