A Associação Brasileira de Criminalística (ABC) e o Conselho Nacional de Dirigentes de Polícia Científica (CONDPC) manifestaram, por meio de nota, repúdio contra o ato do delegado-geral da Polícia Civil do Estado de Rondônia, Samir Fouad Abboud, de usar recursos públicos para pagar um curso de formação em perícia criminal para papiloscopistas, profissionais que não integram a carreira de perito oficial.
Segue abaixo a íntegra da nota:
O Conselho Nacional de Dirigentes de Polícia Científica – CONDPC, entidade que reúne os representantes dos órgãos de Perícia Oficial Criminal dos estados-membros, do Distrito Federal (DF) e Polícia Federal, e a Associação Brasileira de Criminalística – ABC, entidade que representa os Peritos Oficiais de Natureza Criminal dos Estados e do Distrito Federal, vem a público repudiar o ato do Delegado-Geral da Polícia Civil do Estado de Rondônia, Samir Fouad Abboud, que visa a realização de Curso de pós-graduação lato-sensu em Perícia Criminal e Ciências Forenses para os ocupantes do cargo de Papiloscopista da Polícia Civil a um custo de R$ 270.000,00 (duzentos e setenta mil Reais), com dispensa de licitação, equivalendo a R$ 5.400,00 (cinco mil e quatrocentos Reais) por servidor (50 vagas disponíveis).
Trata-se de medida injustificada que, além de incentivar a usurpação das funções dos peritos criminais, pode resultar em transposição funcional e pedido de equiparação salarial e gerar custos desnecessários ao erário, desperdiçando dinheiro público para “capacitar” servidores sem atribuição legal para exercer a função de perito criminal conforme se observa nos motivos expostos a seguir:
1 – A Superintendência de Polícia Técnico-Científica de Rondônia, desvinculada da Polícia Civil, é o órgão responsável pela realização das Perícias Criminais deste Estado conforme previsto na Lei Estadual nº 828/2015.
2 – O Edital Nº 1/2021/PC-DGPC prevê em seu item 2.3, que a grade curricular do curso possibilitará o aperfeiçoamento dos papiloscopistas para a realização de “perícias oficiais em geral”, fato que contraria o disposto na legislação em vigor, principalmente a Lei Federal nº 12.030/2009, que afirma que somente Peritos Criminais, Médicos Legistas e Odontolegistas são Peritos Oficiais.
3 – Nenhum curso de graduação ou pós-graduação forma Peritos Criminais, pois a mesma Lei Federal nº 12.030/2009 afirma que para o exercício da atividade de perícia oficial de natureza criminal é exigida a aprovação em concurso público para o cargo de Perito Oficial, da mesma forma que não existe curso de graduação ou pós-graduação que forme Delegados, Juízes ou Promotores.
4 – A Resolução nº 03 do Conselho Superior de Polícia Civil de Rondônia, que autorizou a realização do referido curso, afirma que é “urgente necessidade da melhoria da produção da prova pericial nas cenas de crime”, desconsiderando que o Código de Processo Penal preconiza, em seu artigo 6º, que todo local de crime deve ser atendido por PERITOS CRIMINAIS, cabendo à autoridade policial apreender os objetos relacionados somente após a liberação por parte dos peritos criminais.
5 – Dois Projetos de Lei que tinham a finalidade de incluir os Papiloscopistas no rol de Peritos Oficiais foram vetados pela Presidente da República, um no ano de 2013 (veto nº 30/2013) e outro no ano de 2014 (veto nº 26/2014), ambos mantidos pelo Congresso Nacional.
6 – Ao analisar trechos dos pareceres dos mais diversos órgãos do Governo Federal que embasaram os vetos citados, pode-se ter uma ideia clara do que motivou a Presidente da República a vetar INTEGRALMENTE ambos os Projetos: O Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão afirmou que “a consequência da proposição, e talvez sua real motivação, ao fim e ao cabo, seria o pleito de equiparação salarial dessas categorias” (perito e papiloscopista). Já a Advocacia Geral da União – AGU disse que “A equiparação do cargo de papiloscopista ao de perito, especialmente considerando que possuem atribuições diversas e remunerações distintas, pode ser considerada forma de provimento derivado, o qual é tido como inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal…”. E o Tesouro Nacional colocou que “embora a medida não cause impacto para a União, pode ensejar pressões por aumentos salariais no futuro.”.
7 – A simples mudança de nomenclatura do cargo de papiloscopista para perito papiloscopista não tem o poder de transformá-los em peritos oficiais, somente tenta justificar pedidos de equiparação salarial, como ocorreu em Roraima e Pernambuco (autos 0806171-98.2017.8.23.0010 RR e 0031220-81.2020.8.17.2001 PE). Pode-se extrair do julgamento do caso de Roraima que “a parte autora requer a percepção de valores a título de pagamento retroativo de diferenças salariais decorrentes da não equiparação de vencimentos de cargos distintos, cuja a única similitude seria o requisito de escolaridade”.
8 – Mesmo quando levadas em consideração decisões judiciais que, em casos específicos, consideraram os papiloscopistas como peritos oficiais, tais decisões se restringem aos casos julgados (e nenhuma delas se refere ao Estado de Rondônia) e concluem que os mesmos podem eventualmente ser considerados peritos (experts) EM SUA ÁREA DE ATUAÇÃO, qual seja, única e exclusivamente a papiloscopia. Além disso, duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 5182 e 2914) julgadas pelo Supremo Tribunal Federal com oito meses de diferença (dezembro de 2019 e agosto de 2020, respectivamente) tiveram decisões antagônicas, indicando que o tema está longe de ser pacificado pela justiça.
9 – Ao que tudo indica, a real motivação de tal “capacitação” dos papiloscopistas tem como pano de fundo a irresignação da Polícia Civil do Estado de Rondônia com a desvinculação do órgão responsável pela perícia criminal e a tentativa de manter a todo custo a subordinação dos peritos aos delegados, nem que seja criando uma nova categoria de peritos próprios.
10 – Não existe caso concreto que demonstre a falta de atendimento a locais de crime por parte dos Peritos Criminais ou atrasos relevantes na elaboração dos laudos periciais no Estado de Rondônia que justifiquem tal desperdício de dinheiro público com um curso que não capacita o aluno para ser considerado perito criminal, pois é exigido concurso público para seu exercício, que será ministrado para servidores que não têm competência legal para realizar perícia criminal, gerando, na prática, o pagamento de um “décimo quarto salário” na forma de Curso de Especialização no valor de R$ 5.400,00 (cinco mil e quatrocentos Reais) a cinquenta Papiloscopistas, pois equivale à média salarial dos servidores ocupantes deste cargo.
11 – Não obstante a falta de justificativa plausível e juridicamente aceitável, além do flagrante prejuízo ao erário, trata-se de mais uma tentativa de transposição de cargo público por provimento derivado (também conhecida por trem da alegria), cujo primeiro passo, que é a mudança de nomenclatura, já foi dado, o próximo passo está em curso, que é a mudança de atribuições, finalizando com o pedido de equiparação salarial com os peritos criminais.
Assim sendo, as entidades abaixo assinadas repudiam o ato do Diretor-Geral da Polícia Civil de Rondônia e encaminham esta nota para as autoridades competentes para que medidas cabíveis sejam tomadas.
Marcos Egberto Brasil de Melo
presidente do CONDPC
Leandro Cerqueira de Lima
Presidente da ABC