Perita oficial da Polícia Científica do Paraná, Patrícia Doubas Cancelier – que exerce a função de toxicologista no Instituto Médico Legal (IML) de Curitiba – foi uma das profissionais paranaenses convocadas para atuar na força-tarefa de Brumadinho, cidade mineira atingida pelo rompimento da barragem de resíduos da mineradora Vale em 25 de janeiro de 2019. Especialista em Perícias Criminais e Segurança Pública e coautora do Manual de Perícias em Situação de Desastres em Massa da Polícia Federal, ela trabalhou no local da tragédia por uma semana na busca e recuperação de corpos.
Em entrevista ao Sindicato dos Peritos Oficiais e Auxiliares do Paraná (Sinpoapar), Cancelier relatou ter escolhido trabalhar na área pericial pelo compromisso que isso representa com a verdade dos fatos. “A perícia é o que condena ou absolve através das provas técnicas”, resume. Professora da disciplina DVI (Disaster Victim Identification) da Academia Nacional de Polícia Federal (ANP), desde 2013 é coordenadora de Identificação de Vítimas de Desastres em Massa do Estado do Paraná. Em 2019, a perita completa 10 anos de Polícia Científica.
Leia a entrevista completa:
SINPOAPAR:Como é a sua rotina no Instituto Médico Legal?
PATRÍCIA CANCELIER: No dia-a-dia do IML sou perito oficial na função de toxicologista, analisando matrizes biológicas (sangue, urina, conteúdo estomacal, fígado, dentre outros) para a constatação da presença de substâncias que possam ter estado presentes no organismo de pessoas vivas ou de vítimas falecidas.
SINPOAPAR: Quais os principais desafios que você enfrenta no trabalho diário de perita oficial?
PATRÍCIA CANCELIER: O principal desafio de qualquer perito criminal é o de continuar estudando sempre. Na área de toxicologia, sempre existirão novas metodologias de pesquisa, novas substâncias a serem pesquisadas, novos projetos.
SINPOAPAR: Fale um pouco sobre a sua especialização.
PATRÍCIA CANCELIER: Ao longo da carreira fiz, até o momento, três pós-graduações: a primeira em Farmacologia, que me ajuda muito no dia a dia, pois a área em que atuo na rotina é a toxicologia (que é um ramo da farmacologia); a segunda em Perícias Criminais, que me possibilitou conhecer mais a fundo as outras áreas da perícia oficial; e a terceira, em Segurança Pública, que permite a contextualização da produção da prova técnica no sistema.
SINPOAPAR: O que é DVI – Disaster Victim Identification? Como esse trabalho começou a ser desenvolvido no Paraná?
PATRÍCIA CANCELIER: DVI é a sigla consagrada internacionalmente para Identificação de Vítimas de Desastres. É uma sigla da Interpol, utilizada propositalmente sem tradução, pois em geral, no atendimento a desastres não é incomum a colaboração entre países. O trabalho começou na Polícia Científica do Paraná em 2013, assim que retornei de um curso na Academia Nacional da Polícia Federal. O curso era de Coordenadores de DVI. Tão logo voltei de Brasília (DF), trabalhei na constituição de uma comissão própria da Polícia Científica e comecei a fazer contatos com as demais agências estaduais. Foi um trabalho pioneiro que possibilitou o convite para ser coautora do Manual de Perícias em Situação de Desastres em Massa da Polícia Federal, em 2014.
SINPOAPAR: Como foi a convocação para atuar na força-tarefa de Brumadinho? Quantos profissionais do Paraná te acompanharam nesse trabalho?
PATRÍCIA CANCELIER: Minha convocação para atuar em Brumadinho partiu diretamente da Polícia Federal para a direção da Polícia Científica, que imediatamente me liberou para contribuir no trabalho. A Polícia Federal contou com a colaboração de cerca de 30 peritos criminais, entre peritos da instituição e peritos colaboradores externos, como foi o meu caso. No trabalho pericial fui a única da Polícia Científica do Paraná convocada. O estado colaborou também com servidores de elevada capacitação da Defesa Civil e do Corpo de Bombeiros.
SINPOAPAR: Quanto tempo você atuou em Minas Gerais e que tipo de trabalho foi realizado?
PATRÍCIA CANCELIER: Fui informada da possibilidade de atuação já nas primeiras horas após o desastre. Embarquei no domingo (27 de janeiro), iniciando os trabalhos imediatamente no local do desastre, mais especificamente na chamada \”Base do Córrego do Feijão\”, atuando na equipe de local de busca e recuperação de corpos, onde são aplicados os protocolos da Interpol desde os primeiros momentos assim que as vítimas iam sendo retiradas da lama. O trabalho inicial compreendia toda a documentação do corpo e dos vestígios encontrados no local. A finalidade da abordagem pericial inicial é a de que qualquer informação ou vestígio do local não se perca, facilitando o processo de identificação. A minha missão teve a duração de uma semana. Devido a extensa jornada diária, que incluía além do trabalho, deslocamentos e reuniões de planejamento, as equipes iam sendo substituídas a cada semana.
SINPOAPAR: Quais as principais dificuldades que você enfrentou no local?
PATRÍCIA CANCELIER: Como os protocolos utilizados eram muito familiares, pois trabalhamos neles há mais de cinco anos, não houve dificuldades na sua aplicação e nem surpresas. As dificuldades eram inerentes a qualquer desastre, como as condições do local e a quantidade de vítimas. A palavra desastre por si só já significa algo que supera a capacidade de resposta local. E é para isso que servem tantos anos de preparo e estudos de protocolos.
SINPOAPAR: Como foi a troca de experiência com profissionais de outros estados?
PATRÍCIA CANCELIER: A interação entre as equipes se deu de maneira fluida, gerando um atendimento rápido e eficiente do ponto de vista da identificação. Além disso, as equipes puderam contar com a ajuda de muito voluntários, o que tornou o trabalho mais célere.
SINPOAPAR: Como esta experiência te impactou profissional e pessoalmente?
PATRÍCIA CANCELIER: Sem dúvidas foi a experiência profissional mais impactante. Um dos meus dias de trabalho foi no Instituto Médico Legal (local), e ali era possível sentir a tristeza das famílias na busca pelos seus entes queridos. Isso fazia com que as pessoas que trabalhavam não sentissem cansaço, e sim uma imensa energia em prol de mitigar o sofrimento daqueles que ficaram.
SINPOAPAR: Por fim, fale sobre a continuidade do seu trabalho aqui no Paraná após Brumadinho. O que muda a partir de agora?
PATRÍCIA CANCELIER: A experiência em Brumadinho serviu para consolidar o trabalho já existente por aqui. Daremos continuidade às parcerias já firmadas e aos treinamentos de equipes tanto de perícia como de instituições parceiras. O aprimoramento dos nossos protocolos é constante e certamente a ida a Brumadinho trouxe muita experiência. Nossa torcida é especial para as equipes que atuam na prevenção desse tipo de desastre. É lamentável saber que os nossos protocolos foram utilizados para atender a uma tragédia anunciada. Me lembro de ter ministrado um curso de DVI em Brasília em novembro de 2015, dias após o desastre de Mariana (também em Minas Gerais). Nunca poderíamos imaginar que isso se repetiria. Um desastre menor em proporção de área, porém muito mais extenso do ponto de vista humano.
Assessoria de Comunicação – Sinpoapar