Artigo publicado no portal jurídico Migalhas e assinado pelo perito criminal do Paraná e presidente da ABC – Associação Brasileira de Criminalística, Leandro Lima, é a mais recente recomendação de leitura do SINPOAPAR – Sindicato dos Peritos Oficiais e Auxiliares do Paraná. Com o título “Laboratórios de DNA vinculados às Polícias Civis ficam sem verba federal”, o texto aborda como a subordinação de laboratórios forenses à Polícia Civil pode prejudicar a atividade pericial.
Confira a íntegra:
O exame de DNA realizado por peritos oficiais de Pernambuco permitiu que em setembro, depois de 30 anos desaparecido, um ex-morador de rua reencontrasse sua irmã. Foi o primeiro caso de uma pessoa encontrada viva numa campanha nacional de coleta de material genético de familiares que buscam o paradeiro de parentes desaparecidos.
Também em setembro, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) tornou público o resultado preliminar da seleção de projetos voltados à acreditação de laboratórios da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos. A iniciativa visa promover a estruturação de laboratórios de Genética Forense. No total, os órgãos selecionados vão receber R$ 6,1 milhões, mas terão de fazer investimentos com recursos próprios em contrapartida.
A acreditação é uma forma de atestar a qualidade dos processos e exames realizados em um laboratório. Com a acreditação, os laboratórios de genética forense (DNA) podem aperfeiçoar processos e identificar falhas a fim de garantir que os resultados apresentados em laudos periciais seguiram as melhores práticas existentes, utilizando equipamentos adequados e que todo o capital humano envolvido tem o preparo técnico necessário.
As propostas habilitadas e classificadas foram apresentadas pelos seguintes Estados, listados em ordem de classificação: Paraná, Pernambuco, Goiás, Rio Grande do Sul, São Paulo, Mato Grosso, Santa Catarina e Ceará. Existe uma informação relevante contida nesta lista, que pode passar despercebida aos olhos menos atentos: todos os Estados classificados têm seus órgãos periciais subordinados diretamente às Secretarias de Segurança Pública, e, por consequência, nenhum deles se subordina à Policia Civil.
Certamente não é coincidência o fato de nenhum dos laboratórios de DNA subordinados às Polícias Civis ter conseguido cumprir os requisitos necessários para captação dos recursos previstos no referido edital, pois um dos requisitos para cumprir a norma citada é o de que a alta gestão do órgão deve se comprometer a comprar os equipamentos e insumos necessários, firmar contratos de manutenção e, o mais importante: não interferir nos pedidos e na realização dos exames periciais.
Os diretores dos órgãos periciais só conseguem cumprir o previsto nas normas nacionais e internacionais quando têm autonomia para normatizar o funcionamento das suas seções internas. Ou seja, sem precisar da “benção” do delegado-geral, prevendo até mesmo restrição de acesso para qualquer pessoa não autorizada, incluindo os próprios diretores, de forma a garantir a preservação das amostras, do processo e, por fim, da cadeia de custódia.
Outro ponto igualmente importante é o incentivo à formação acadêmica dos peritos oficiais, pois também são requisitos previstos nas normas que corriqueiramente não são valorizados quando os peritos são tratados como policiais civis, e não como policiais científicos. Além disso, os equipamentos necessários para uma boa perícia, seus insumos e manutenção são sempre muito caros e acabam ficando no final da fila das prioridades para aplicação dos já escassos recursos da Polícia Civil, e são tratados como prioridade quando existe autonomia do gestor para aplicação de seus recursos.
Assim sendo, o fato de nenhum dos oito Órgãos Periciais subordinados às Polícias Civis terem classificado seus laboratórios de DNA para recebimento de investimentos do governo federal indica claramente que esta subordinação é danosa não só à atividade da perícia oficial, mas também à sociedade brasileira. Vale lembrar que o exame de DNA realizado pelos órgãos periciais serve tanto para identificar autores de crimes quanto para inocentar acusados injustamente, além de ser uma importante ferramenta na busca por pessoas desaparecidas.
Leandro Cerqueira Lima, presidente da ABC – Associação Brasileira de Criminalística