Um engenheiro mecânico que sonhava em trabalhar na Petrobrás e que caiu de pára-quedas na Polícia Científica do Paraná. Essa história teria de tudo para dar errado no final, mas lá se vão 12 anos de carreira, com passagens em diversas áreas do Instituto de Criminalística e a experiência mais recente, e desafiadora, é representar os interesses dos colegas da perícia oficial à frente do Sindicato dos Peritos Oficiais e Auxiliares do Paraná (SINPOAPAR). Este é o entrevistado da vez da série “Trabalho de Perito”: Paulo Roberto Stocco Zempulski.
Autodeclarado um entusiasta das perícias criminais, o perito criminal enfrentou desafios ainda no curso de formação; viveu a ansiedade dos primeiros plantões, quando tinha somente 25 anos; e apontou, na entrevista concedida para a Assessoria de Comunicação, casos que o marcaram profissional e pessoalmente. Como não poderia ser diferente, ele reconhece a pressão que existe na rotina da Polícia Científica, sobretudo nas perícias em locais de crime. “A minha meta de vida é: ‘Faço o melhor que sou capaz, só para viver em paz’, reflete.
Como não é só de trabalho que todo perito criminal é feito, Zempulski também nos contou sobre o que o move quando não está nos prédios da Polícia Científica ou na sede do sindicato – ele deixará a presidência nesta semana, mas continuará na diretoria da gestão do SINPOAPAR 2021/2023, como vice-presidente. Fissurado em esportes, curte natação, surf, bike, trilhas e artes marciais. E se for para ficar em casa, livros e séries são suas opções de lazer.
Quer saber mais sobre Paulo Zempulski? Confira a entrevista na íntegra:
Por que escolheu atuar com perito oficial?
Para falar a verdade, nunca tinha me imaginado sendo perito criminal. Meu sonho era terminar a faculdade de Engenharia Mecânica e prestar concurso público para a Petrobrás. Após me formar, fui contratado por uma montadora de carros francesa. Na época, fazia mestrado [em Engenharia Mecânica pela UFPR], trabalhava muito e estudava para o concurso desejado. Prestei uns dois concursos para a Petrobrás, mas não passei. No da Transpetro fiquei perto, mas também não passei. Coisas do destino. Foi então que me deparei com o concurso de 2007 da Polícia Científica, para a vaga de perito criminal na área de engenharia mecânica. Como podia dar errado? Era Engenharia Mecânica, a área que eu gostava e que tanto queria trabalhar.
A minha história de ingresso não é das mais bonitas, mas a considero bem curiosa e interessante. Prestei o concurso sem nunca ter ouvido falar de Código Penal e Código de Processo Penal. Também não tinha ideia sobre o que fazia um perito criminal. Lembro-me perfeitamente que quando tomei posse e me apresentei no Instituto de Criminalística de Curitiba, muitas vezes eu ficava quieto nas discussões por não ter ideia do que eu estava fazendo ali ou o que aquele povo todo fazia. Começamos o curso de formação e admito que, para mim, foi bem difícil ver tanta desgraça, crimes horrorosos e fotos de cenas de crime que deixariam o Quentin Tarantino no chinelo. Em uma das aulas sobre Crimes Contra a Pessoa, tive que sair da sala para tomar um ar e um copo d’água porque não aguentava mais ver tanto sangue e lesões.
Mas quem disse que tudo acontece na nossa vida como planejamos? O curso de formação acabou e começaram os estágios. Estava assustado. Na época a estrutura não era das melhores, à noite dormíamos em colchões no chão, no meio das seções. A computação forense era disputada, tinha até ar condicionado. Para minha surpresa, as cenas de crime eram muito mais calmas e menos intensas do que as fotografias de local que eu via no curso de formação. E fui pegando gosto pela coisa.
Se antes achava que iria trabalhar só com engenharia mecânica, nesse momento já sabia onde tinha me metido. A ansiedade nos primeiros plantões era enorme, principalmente por ter somente 25 anos à época e pouquíssima experiência de vida. E como a vida ensina, para aqueles que só trabalham no atendimento a locais de crime, um mundo novo se abre e sentimos na pele o gigantesco abismo social que estamos metidos, bem como todos os problemas gerados pela desigualdade social.
Minha primeira lotação foi em Maringá. Apesar de ser uma belíssima cidade e ter pessoas sensacionais trabalhando por lá, sempre quis trabalhar em Curitiba. Sou uma pessoa muito apegada à família, aos meus amigos e sou fascinado por praia. Ficar tão longe do mar não me agradava nem um pouco, principalmente pelo fato de eu surfar desde os meus 14 anos. Maringá foi uma baita escola de formação, fiz grandes amizades e aprendi muito com aqueles que lá trabalhavam. Em 2010, após 10 meses no interior, o colega Luís Gustavo Toledo Zulai, de Curitiba, quis fazer uma permuta de lotação, a direção da época autorizou e, então, consegui vir para Curitiba. Desde então, estou na capital.
Como é a na Polícia Científica? Antes do SINPOAPAR, você já havia passado por várias áreas dentro do Instituto de Criminalística?
Falar sobre minha história na Polícia Científica é sempre muito prazeroso, tive oportunidade de trabalhar em vários setores: Engenharia Legal, Seção de Acidentes de Trânsito, assumi as chefias da Seção de Acidentes de Trânsito e, na sequência, simultaneamente as seções de Crimes Contra a Pessoa e Crimes Contra o Patrimônio. Fui responsável pela Divisão de Planejamento do IC, onde toquei projetos de compras de equipamentos e estruturais, procedimentos de qualidade, etc.
Na sequência, assumi o cargo de diretor administrativo da Polícia Científica, tendo como principal missão a unificação de todos os setores administrativos do IC e IML (RH, Financeiro, Protocolo, Compras, Almoxarifado, etc). Após esse período como gestor, fui lotado na Seção de Crimes Contra a Pessoa como perito criminal de local. E, há dois anos, exerço minhas atividades como presidente do SINPOAPAR. Sem dúvidas, este último foi o maior desafio na minha carreira na Polícia Científica.
Quais os principais desafios que você enfrenta no trabalho diário?
Adoro o que faço e hoje sou um entusiasta das perícias criminais e não consigo me ver fazendo outra coisa. Petrobrás está fora de cogitação. As perícias externas sempre foram as que mais me atraíram. Desenvolvi bons trabalhos nas áreas de crimes contra a pessoa, crimes contra o patrimônio, acidentes de trânsito e de engenharia. Atualmente, eu sinto grande necessidade de desenvolver meus conhecimentos na área de identificação de veículos. Reconheço que é a área que menos tenho conhecimento, mas certamente a que mais me motiva.
Os desafios na perícia são diários, há quase nada de rotina e casos novos a todo instante. Mesmo com quase 12 anos de carreira, sempre me deparo com novos desafios, novas dinâmicas e aprendizados. A minha meta de vida é: “Faço o melhor que sou capaz, só para viver em paz”. E dessa forma nunca me canso de aprender, de desenvolver novas qualidades e de me reinventar a todo instante. Nunca agradaremos a todos, mas o importante é tentar não se abater com as críticas, levantar a cabeça e não parar de lutar.
Você tem especializações?
Sou mestre em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal do Paraná.
Já desenvolveu trabalhos acadêmicos ou pesquisas relacionadas à perícia oficial?
Ainda não tive a oportunidade de publicar, mas atualmente trabalho no capítulo de um livro sobre sistemas de freio de automóveis, ônibus e caminhões, com enfoque nos exames periciais de delitos de trânsito.
Qual foi o caso mais difícil que você já trabalhou?
O mais difícil foi a análise da fratura de um cubo de roda que deu causa a um acidente de trânsito. Porém, há dois casos que me marcaram muito mais, ambos pela questão emocional. Em agosto de 2012, atendi um acidente de trânsito do tipo “queda de motocicleta, seguido de sobrepassagem do condutor pelo rodado de um ônibus urbano”. Esse caso foi muito marcante, pois o motociclista que veio a óbito era um amigo da faculdade. Sobre o acidente: o condutor, após sofrer a queda, teve sua região craniana sobrepassada por um dos rodados, deixando-o completamente desfigurado. Na época, realizei o exame com calma e cautela e deixei para pegar a identificação da vítima só ao final. Quando retirei o documento do bolso da vítima, após ter finalizado todas as minhas análises periciais, foi como se tivesse levado um soco no estômago, fiquei em choque. Não acreditava no que estava vendo, na época fiquei bem abalado. No dia seguinte, após finalizar o meu plantão, dirigi-me ao velório para prestar solidariedade à família e para me despedir de meu amigo.
O segundo caso ocorreu em março de 2016, quando fui acionado para realizar o exame de local de um duplo homicídio em um imóvel residencial, no município de Pinhais. Ao chegar ao local, informaram-me que as vítimas estavam em estágio inicial de putrefação e que teriam vindo a óbito em decorrência de duros golpes contundentes de enxada em suas regiões cranianas. O imóvel era constituído por duas construções de alvenaria. Na construção posterior encontrava-se morto um senhor e na construção anterior uma moça, que era sua filha. A moça se encontrava sobre uma cama e encimada por um cobertor. Ao retirar a coberta, me deparei com suas duas filhas gêmeas de 6 anos. Todas mortas. A cena foi muito intensa e violenta, abalei-me por alguns dias.
Qual a diferença entre atuar na capital e no interior?
Quase sempre trabalhei em Curitiba, salvo no começo de minha carreira e, em algumas poucas ocasiões, onde auxiliei no fechamento de escalas de algumas seções do interior. Curitiba possui maior quantidade de atendimentos a locais de crime, o ritmo da Seção de Crimes Contra a Pessoa é bem puxado. Porém, certamente é muito mais bem estruturada do que as seções do interior.
Aqui na capital temos seções especializadas para cada tipo de atendimento e, geralmente, nos deslocamos em pelo menos duas pessoas aos locais de crime. No interior, na maioria das vezes, o perito se desloca sozinho ao local de crime e precisa atender a qualquer tipo de ocorrência. Sem contar que realiza ainda algumas atividades que na capital são de responsabilidade de seções internas, como: Balística Forense, Identificação de Veículos e Crimes Ambientais.
Você já atuou em um caso de grande repercussão na imprensa? A pressão atrapalha o trabalho?
Já trabalhei em alguns casos de repercussão, principalmente realizando exames complementares. A pressão pode atrapalhar, por isso é muito importante que o perito criminal ao se encontrar em um local de crime pese bem as palavras quando concede entrevistas para a imprensa. Pequenos deslizes nas falas podem reverberar de forma negativa e a pressão do crime acabar recaindo quase que por completo sobre a atuação pericial.
Como é sua vida fora do trabalho?
Em tempos normais, sem pandemia, sou um aficionado por esportes. Já nadei, pratiquei jiu-jitsu, MMA, submission, andava de skate, ando de bicicleta, pratico crossfit, gosto de correr, surfo sempre que possível, jogo beach vôlei e futebol, gosto de caminhadas, trilhas de montanhas. Gosto de ler e de assistir séries, me amarro em filmes.
Adoro viajar, shows musicais, teatro, cinema, tomar uma cervejinha com os amigos, fazer churrascos com a família, festejar e me divertir. Atualmente vivo com a perita criminal Gisele Floriani, minha grande companheira e parceira de diversões, de viagens e passeios. Sou praticante da umbanda e acredito muito na caridade. Porém, atualmente, não faço um trabalho voluntário fixo. Sempre que posso, tento me engajar nas causas sociais e humanitárias e ajudar o próximo.
Você tem algum hobby?
Tenho gostado cada vez mais de política. Sou da ala progressista e acredito que um país para se desenvolver e alcançar a tão desejada soberania e riqueza econômica precisa, antes de tudo, de muita justiça social; educação, saúde e segurança pública gratuitas e de qualidade para toda a população; fortalecimento do serviço público; e incentivo amplo e massivo em pesquisa, ciência e tecnologia.
Para finalizar, o que significa ser perito oficial?
A perícia oficial de natureza criminal é fantástica, intrigante e cheia de curiosidades e detalhes. Um perito criminal nunca atingirá o conhecimento pleno, sempre estará sujeito a novos desafios e conhecimentos. Sou muito grato pela minha profissão e me sinto realizado por ter “caído de paraquedas” nessa área. Hoje não me vejo em outra área de atuação. Ser perito criminal exige várias qualidades é preciso ser dedicado, comprometido, interessado, humilde, cientista, pesquisador, resiliente, estável emocionalmente, justo e de caráter.
Assessoria de Comunicação
Sinpoapar